Seguidores

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Os Olhos do Amor, da Força, da Rosa - Diamantina/MG


Desapego


Cara ou coroa?
Em um avião distante voa para bem longe o meu amor
Neva, mas seu coração não é gelado como o das outras
Plainando, ela imagina um Brasil outrora pitoresco, a longa marcha para o oeste
Ouro Preto e seus vestidos de cambraias na casa azul e branca
Ela imagina se perder em braços calorosos, ter afago, mimo
Em seus cabelos a luz do sol brilha, reflete, queima paraísos, flutua
Meu amor voa
Se encanta com uma pequena borboleta, um pássaro vermelho, o semáforo verde
Reclina a poltrona do aeróbus , sonha com o poeta cozinhando caridade
Ovos de Páscoa pintados à mão, o nascimento da muda de Pau-Brasil
Porta-sementes, revolve a terra úmida com seus pensamentos
Pensa em cair do avião com seus esquis em riste, sair deslizando pela neve
Tomar sopa de letrinhas com a família sentada ao redor da mesa oval
Recorda-se da nova Monalisa, das crianças com seus olhares ternos
Da filha que há de vir, escritora de contos árcades, viajante de vestido de cambraia
Esquece da camisa-de-força, do pedaço de ave que não foi encontrado
Do poeta em desapego extremo
Voa amor, voa distante
Não deixe sua casa, suas roupas, seus perfumes, livros e cigarros
Junho já se aproxima, vem o verão
Deitado na relva gélida, sem neve, ao lado da fogueira, irei esperar o avião passar
Com os olhos todos derretidos
Arcaicos
Tupã fará chover chuva doce
Escalará pedras ríspidas o meu grande amor
Sentirá os ventos benfazejos do alto dos montes
Lembrará do que foi e do que já não mais é
Uma brasileira a andar de vestido de cambraia pelo Central Park.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Espinhos - Juréia - Peruíbe/SP


O Carnaval


Em outras encarnações foi um cachorro e um dinossauro
Nesta, sou apenas um cachorro vagaroso
Que trai
Morde
Some
Em meio as serpentinas, na saia da colombina
Sorrio
À diaba na rua, nas mãos uma única luva
Até hoje não entendo
Sinto saudades indescritíveis, tristeza, tambores
Santa Teresa me abençoa com seu ungüento
Rezo, rezo, com minhas patas unidas em prece
No céu se anuncia chuva, nuvens pesadas e escuras
Venho me sentindo doente, com tonturas
Deste carnaval não passarei
Amor nenhum passará
Este carnaval vou embora, triste, como todo carnaval.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Beija-flor - Cananéia/SP


Mirela MDCCLXXVI


Um filme de cinema, um tapa na cara
Como na primeira vez, com muito sangue
Sobre as colunas da ponta da praia, símbolo de Santos, andas com os braços abertos
Equilibra-se, cai no mar com seu rabo de sereia e sai nadando
Observo, o fio de meu fone de ouvido solto
A areia da praia, a fogueira, o take de prazer
O grito, o carro e as risadas
O tapa agora é outro, mais intenso
Está tudo bem, ilusionismo
Passa o Saci, o Pássaro Noturno, a Iara, seres místicos na Juréia
O corte profundo na árvore, o final
O ônibus azul rodando a beira-mar
O coração a mil, povoado de sonhos, água
Explodindo
Isto é uma película de alta definição, em que você se vai.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Relva Taurocentauriana - Vila de Biribiri (1876) - Diamantina/MG


Mirela MDCCLXXVII


Pastoreias, aras a terra virgem
Sob a inspiração de Quíron deixo marcas de minhas ferraduras pela relva, em busca de um sentido
Tu, aras a terra
Crias palavras novas, extremamente poéticas, desde o início
Junto um verso encavalado no outro
Touro
Como minha metade animal, metade humana
Capa verde-azulada-profunda nas costas, chegando até as patas
Protejo-me das intempéries naturais
Estou sempre em campo
Forjando flechas de estanho com pontas de berilo, filosofando
Sobre tuas dúvidas
Deito meu corpo com liberdade
Aro a terra
Tua respiração ofegante, esfumaçante no dia frio
Café, fertilizante na terra, sólidos sistemas de pensamentos, potencialidades expandidas
Aguardo teu sinal para partir
Com o alforje vazio das poesias antigas, queimadas, roubadas
Atravesso um continente com ímpeto de centauro
Chego à praia
O peito estilhaçado de saudade das campinas por onde pastoreei
De um sentido mais preciso e agudo, um apito, claro
A chuva da primavera molha teus pêlos, teu chifre, tua argola
O cheiro de terra molhada te faz sentir saudade do mar, onde estou
É distante
Pássaro nenhum voa
Mas há amendoeiras, sementes formosas, quartzo verde, livros e espelhos
Quando novamente pastorear comigo em viagem longínqua
Estarás completa, eu feliz.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Cascatinha - Santuário do Caraça - Santa Bárbara/MG


Mirela MDCCLXXVIII


Acendo um cigarro sentado na pedra da cachoeira
Não vejo Oxum nadar, mas sei que está lá
Torço para que pegue em minha mão
Me leve ao profundo de seus beijos
Indivivenciais
Nosso amor é poético
Apagamos o carnal por um leve momento
Transformar água em fogo pode machucar
Peixes, deusa africana, Jesus
O mundo cairia em uma amnésia incomensurável
Por um leve momento
Irradiaria o amor mais forte do Segundo Paraíso
E ele iria contemplar os seres da escuridão, magos negros, dragões
Luz
Na junção da carne de Oxum com o lábio cansado de dizer adeus
Não há luta
Não há
O mar escuro me leva de volta a casa
Contemplo com o olhar perdido o horizonte, a chuva de hoje
As águas verdes da cachoeira
Os insetos sobrevoando os pratos
A viagem a acontecer, teu perfume, você na janela do ônibus, meu cabelo
Os insetos que um dia matei com imensa revolta
Suas almas me impedem de entrar na água
Através das suaves mãos de Oxum
Quando cai a noite sinto falta de estar próximo de teu coração
Vejo vagalumes brilharem, um raio de sol atravessar nuvens negras, fendas
Um vazio no corpo, no copo
Vejo cacetetes, o menino morto saindo do Ribeira de Iguape, ódio, incompreensão, ônibus atrasado, sexistas em passeata
Nada importa quando há amor
Não tenho dúvida.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Fitas Coloridas, Estandarte de Cristo - Diamantina/MG


Mirela MDCCLXXIX


Soube-se de um tempo antigo, no qual a serpente rastejava pela Terra
Isto foi antes da chegada do lagarto
Do homem-lagarto
Te fiz uma sinfonia linda antes de dormir
Ouvi teus anseios, teu largo sorriso
Ouvi o robalo saltar da água, predar uma libélula
A borboleta, a meia-altura do espelho
Não foi digerida
Verifica-se que o alimento ingerido pelo teu, pelo meu estômago
Já se alimentou de insetos, camarões, peixes menores e pequenos crustáceos
O champignon absorveu luz solar e cresceu
As batatas afundadas na terra
Proporcionaram ao solo o nitrogênio essencial
O arroz consumiu imensa quantidade de água para crescer
O chimi-churri esquecido sobre a mesa da sala
Observa o ora-pro-nobis com ar de solidão
Tens fome de amor?
Malte?
Amor, um beijo bem grande para você, um beijão
Irei arrumar o porão, o profundo de tua alma
Tua voz que ficou mais doce com o tempo, escorreram lágrimas de mel da tua retina para as cordas vocais
Ficou mais doce
Tenho tanta, tanta fome...
Meu único alimento é o cuspe que escorre da minha cara à minha língua
Encaro como néctar
Penso que um dia Oxum permitirá que eu beba de águas sagradas
Para limpar minh’alma dos fluídos deletérios do amor que não achei
Ave Oxum! Vos saúdo infinitamente!
Fome, Oxum, fome...
Enfeito o meu anjinho de fitas coloridas e saio para passear por paralelepípedos
Vou olhando pelas pedras de canto da rua para ver se encontro a flor azul que um dia cantei
Junto com teu nome há uma linha e anzol
O lúpulo de teu chopp, transportado por milhas, da Ucrânia até a praia, refrescam tuas cordas vocais e deixam tua voz ainda mais doce
Me dás laranja com ironia
És você quem escolhe
Sim, isso me faz feliz
Há diferença, percebes?
Tua liberdade é tão grande que podes pisar em um porquinho e me dar xeque-mate
O rei está morto
O robalo
Enterrado de tanto prazer em teu âmago
O cogumelo foi digerido
A batata derreteu
O chimi-churri está vivo na lembrança
Tenho fome, amor.  

Os Olhos do Cordeiro - Bento Gonçalves/RS


Mirela MDCCLXXX


Gostaria de saber estalar o corpo como fazes
Quando pegas em minha mão no meio do dia
E a coloca perto de teu coração, me sinto confortável
No quarto a meia-luz
Voa um vagalume que você não vê
A língua colante da mariposa em teus ouvidos macios
Não é possível desligar teu motor
Apenas quando dorme o sono dos justos
Tuas asas abrem com toda intensidade
O restante do tempo são luzes e áureas brilhantes
Sol forte
Pele queimada, tostada, mel tostado
Você chegou sozinha e foi embora sozinha
Quando adentrar o mundo invisível
Repleto de fagulhas poéticas e elementos translúcidos
Verás dardejar em teu perispírito ondas de amor vindas de longe
Atravessas um oceano e um oceano não é suficiente
Te encheram de mimos e presentes, afagos
Mas não souberam te dar o amor rude, desprendido
Te fizeram sacrifício, imolaram um touro
Mas ninguém te apresentou o cordeiro antes do fim
Falou:  “- olhe em seus olhos!”
Veja que lindo é o mar
Que lindo
O arrepio
O sentido da certeza
A distância da cobra perversa com sete quilômetros de extensão
Serpenteando vagarosa pela areia fervente da praia
Olhe nos olhos do cordeiro, antes da imolação
Veja quanta vida, quanto amor
Olhe nos olhos do cordeiro
Não se magoe com um afago
Uma gentileza
Tudo é troca, veja meu cabelo, como está cinco vezes mais lindo
Veja teus olhos, como não escondem medo
Atrás dos óculos-escuros
Onde houver amor não haverá ferida
Corra comigo, amor
Deite comigo, amor
Cuspa em meu rosto
Para que meus olhos brilhem como os olhos do cordeiro
Antes da imolação.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Cachoeira Véu-da-Noiva - Serra do Cipó/MG


Mirela MDCCLXXXI


Água mole de cachoeira
Espere-me lá fora, amor
Propositiva
Arrebente suas potencialidades, caia ao chão como taça de vinho tinto
Espumante branco, te satisfaz?
Quando teu corpo for levado pela tempestade
Ficará por todo o ar fragmentos poéticos
Até o final haverá um índio rondando teus sonhos e tua comida
Teu sexo, a flauta
O peixe
O arco
De frente ao pescador se lembrará do caiçara
De sua canoa de sonhos, seu cordão de carregar pesca
Lembrará da noite e tuas orelhas macias descansarão
Em pedra dura
Hoje troquei uma passagem por condicionador
Amanhã não sei
Por onde irei, adeus
O arco-íris indica que caiu chuva na Cidade de Pedra
No Paraíso
Um anjo se envergonhou, ficou rubro e se retirou
Adeus
Amor
As aves de arribação se foram
Pousar em teu seio, contar um segredo
A resposta foi uma rajada de água doce, mãos evocadas para acender tocha
Mãos equivocadas de fogo e mar
Se o anjo tocheiro devolvesse o que me roubou eu entenderia tua escuta
Mais uma vez
Outra
Outra
Outra
Até se ferir de amor
Sangrar, olhos turvos de choro
Água mole de cachoeira, deusa africana
Mais uma vez
Pai João te faz sinfonia, carrega teu espírito pela noite para te purificar na água da cachoeira
Você entende?
Entende tudo o que acontece a sua volta?
A limpeza que se opera
A promessa que se cumpre
A música que soa em teus ouvidos macios
Entende?
Recebes um abraço de um bicho-preguiça, um afago mamemolente
O outro, que virá cedo te procurar, deixará dúvida se é ou não é
Neste momento, por apenas um pequeno lapso de momento
A água mole irá parar de cair
Apenas por um momento
Espere por mim lá fora, amor.