Estacionei meu carro no décimo quarto andar, subiu comigo no
elevador minha princesa para buscá-lo
Toda a conversa que troquei foi doce, para ganhar beijo
suave
Na cidade é assim
O sorriso dela é como o da moça do comercial, da artista de
televisão distante
Ambiguidade, salão de beleza
Possui ela vestido feito em alta costura, não mais cambraia
como em 1792
Seus olhos de onça não espreitam restingas, apenas meus sapatos
rotos, minhas roupas poídas, meus cabelos longos, minha barba de nazareno
Não entra ela em galerias, não se vê seu reflexo em vitrines
O colo branco, as sandálias gladiadoras, a espada afiada de
sua língua é penetrante para meu espírito suscetível quando minha princesa está
na cidade
Ao lado, ladrões abrem fogo contra o mensageiro
Notas de dinheiro esvoaçam pela avenida, juntamente com
poemas que não são dela
Um veículo preto blindado capota
Uma senhora acende um cigarro e treme
Ligo os faróis, no banco do passageiro ela, no do motorista
há um beijo na bochecha sem batom
Abaixas o quebra-sol, há um espelho onde a princesa se maquia
tão linda
Acelero tudo o que posso em meio as explosões
Milhares de cartuchos deflagrados pelo chão, o sino da
Igreja a cair com violência assusta a menina
Minha princesa apenas olha com seus cílios de onça, seus
lábios arqueados
Viaturas, carros a prova de morte, sirenes, passam
Quatro mil rotações por minuto, blues alto, bicho-preguiça
agarrado em tela de proteção ao longo da via
Ela possui argolas de ouro branco nas orelhas labirínticas
Pingente de água-marinha próximo aos seios
Ela possui mil e uma histórias na alma de mil e uma
encarnações
Certo dia me contou sobre Jerusalém e a fenda no muro da
cidade antes da 2ª Cruzada
Contou-me sobre Patrick Castle e Eugene, a fuga de Anish
Reviveu a lepra de Flávia Lentulus e sua cura por Jesus
Recordou passagens da Guerra de Secessão, das charretes
brancas singrando a neve
Hoje ela sabe fazer essências de perfumes sem erros
Ela sabe como me deixar hipnotizado
Sabe muitas coisas minha princesa
Outro dia me fez pão com o trigo que ela mesma plantou e
colheu
Figurou como protagonista da abertura da novela
Leu prosa, o livrinho poético transformou em pílulas de amor
que colocava em minha boca todas as manhãs de sábado
Neva mais
Já distante encosto o carro e coloco correntes nos pneus
para que não derrapemos na pista
Ligo o ar quente
Na bochecha um beijo sem batom
Já estamos quase perto de São Francisco, Nova Iorque ficou
distante
A lingerie apertada a incomoda, ela tira sem quem qualquer
pudor e viaja mais tranqüila.
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